Porquê me oponho ao uso no Brasil da expressão trabalho decente, adotada pela OIT na versão espanhola de documentos oficiais
Acabam de cair em minhas mãos dois documentos que seguem a cartilha da OIT: a Revista FONSET nº 4, editada pelo Fórum Nacional de Secretarias Estaduais do Trabalho e o decreto presidencial de 24 de novembro de 2010, convocando os representantes para a 1ª Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente (CNETD), nos dias 2 a 4 de maio vindouro, em Brasília, DF. Pelo que li a decência foi introduzida nos documentos oficiais do País.
A OIT insiste em usar a palavra decente para identificar o trabalho realizado em condições legais, ou seja, aquele que não fere a dignidade humana, nem a honra e os valores pessoais dos trabalhadores. Seriam então indecentes o trabalho forçado (para nós trabalho escravo), o trabalho infantil (para nós trabalho proibido) e o trabalho discriminatório, conforme evidencia o texto da “Convenção sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos”, aprovada em 2011 (Convenção nº 189 da OIT) e da recomendação sob o mesmo título (Recomendação 201).
Como o português não é idioma oficial para a Organização, os documentos são divulgados em inglês, francês e espanhol e daí versados para outros idiomas. A partir da aprovação dessa convenção todos os documentos da OIT e até mesmo de organismos nacionais passaram a atacar o trabalho que foge às regras de dignidade, moralidade, legalidade e sensatez com eventos regionais e internacionais em prol do trabalho decente.
Mas não foi essa a primeira vez que a OIT utilizou esse adjetivo para batizar o trabalho digno. Na verdade, a organização internacional adotou este conceito em 1999 para – segundo ela mesma divulga – sintetizar “a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerada condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável”. Assim a OIT define o trabalho decente.
A lei brasileira não permite o trabalho indecente (indecoroso, indigno, desonesto, desonrado, sem recato, sem pudor, sujo ou que reduza o trabalhador à condição de escravo – palavras antônimas de decente no vernáculo). A CLT tem dispositivos específicos sobre a duração e condições de trabalho (arts. 224 a 351), bem como outros que protegem o trabalho da mulher (arts. 372 a 401), o trabalho do menor (arts. 402 a 441); outrossim, concede aos trabalhadores o direito de rescindir o seu contrato se o patrão praticar ato ou atitude que fira o decoro, a honra, a dignidade e a saúde do empregado (art. 483).
Talvez fosse melhor aceitar a expressão trabalho justo tal como ocorreu com o instituto salário no séc. XIX. Todos os movimentos políticos, sociais e sindicais exigiram naquela época um salário justo. Ninguém pensou em salário decente... Aliás, os norte-americanos adotaram trabalho justo para os assuntos relativos ao decent labor.
A propósito, a OIT para nós (já que oficialmente é ILO) denomina convenio os compromissos internacionais aprovados em suas conferências. Pergunto: por que o designamos convenção? Porque, tal como decente, convenção entre nós tem conceito próprio adaptado aos costumes do povo. Respeitou-se a tradição do português.
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