terça-feira, 23 de agosto de 2022

Estado de direito. O que é isto na verdade?

 Faz tempo que leio, ouço e vejo na imprensa profissional e na mídia alternativa (nem sempre capacitada) políticos, juristas, jornalistas e mesmo gente não graduadas comentando a respeito desse assunto tão sério e importante. Parece até que essa expressão está bem assimilada pela nossa população; mas não é bem assim. O conceito de estado de direito é tema do direito internacional público e nesta ciência que encontramos a definição dessa entidade que é, ao mesmo tempo, sujeito de direitos e de obrigações. 

O conceito mais claro a esse respeito enuncia que estado é um “conjunto de indivíduos estabelecidos em um determinado território de maneira permanente e que obedecem a um governo autônomo, no plano externo, e soberano,  no plano interno” (Luiz Ivani Araújo). Há quem confira ao estado o caráter de nação que, pelo convívio dos indivíduos e unidade de governo, cria uma comunidade nacional (Marcelo Caetano). Em breve síntese: para existir um estado é necessário, concomitantemente, falar um idioma, ter um território sob domínio e um governo estabelecido.

Com respeito à forma de governo, o estado caracteriza-se como democrático, quando tem um governo do povo (de demos + aché, segundo Pinto Ferreira) e não por uma aristocracia, classe ou grupo. A Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), editada na cidade de São Francisco, Califórnia, em 26 de junho de 1945, foi ratificada pelo Brasil em 22 de outubro do mesmo ano, cuidou dos princípios gerais para a preservação da paz, segurança e harmonia entre os países. 

Na introdução desse documento consta como objetivos: “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres.

Mais adiante, em dezembro de 1948, em Paris, a Assembleia Geral da ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pelo Brasil, visando estabelecer concretamente as regras garantidoras de um convívio respeitoso e digno entre a família humana (os cidadãos entre si e as nações) e o meio encontrado para isso foi o estado de direito. De lá para cá, inúmeras convenções internacionais cuidaram da ampliação do rol dos direitos fundamentais e do aprimoramento dos meios de defesa dos cidadãos.

Então, é isso. Nada tão complicado para ser compreendido, nem difícil para ser praticado.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

O crime de perseguição ou stalking sob a ótica do direito do trabalho

Atualizado em 14/07/2022, às 11:08h

Há pouco mais de um ano, o Presidente da República sancionou a Lei nº 14.132/2021 (Diário Oficial da União - Edição Extra de 1º de abril de 2021), que tipificou a perseguição ou stalking como crime. De cunho eminentemente penal, essa lei tem a seguinte ementa: "Acrescenta o art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o crime de perseguição; e revoga o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais)", ou seja, criminalizou uma antiga contravenção penal caracterizada por "molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável".

O novo dispositivo do Código Penal tem o seguinte enunciado:

"Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".

Juízes, advogados, professores e estudiosos do direito penal aplaudiram a iniciativa  do legislador pátrio baseados na necessidade de modernizar a legislação criminal brasileira diante das características da sociedade contemporânea e variedade de recursos midiáticos hoje disponíveis na Internet.

Comecemos a análise da norma pelo método da interpretação literal. Segundo os filólogos e dicionaristas da língua portuguesa, perseguir significa ir ao encalço de, correr atrás de, importunar, causar incômodo, transtornar, impor tormento, lutar para obter conquistas (Dicionário Houaiss, Instituto Houaiss, Editora Objetiva, 1ªedição, 2001). Já o adverbio reiteradamente quer dizer fazer de novo, iterar, repetir, renovar (Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, Caldas Aulete, 4º volume, Editora Delta, 1964); quanto à palavra invadindo – gerúndio do verbo invadir – significa entrando à força, ocupando à força, dominando, apoderando-se (Novo Dicionário Aurélio Eletrônico, 5ª edição, Positivo Informática, 2009) e, finalmente, perturbando corresponde a desordenando, transformando a ordem, desarticulando, desarranjando (Vocabulário Jurídico, Plácido e Silva, Editora Forense, 13ª edição, atualizada por Nagib Slabi Filho e Geraldo Magela Alves, 1997).     

Portanto, quanto à literalidade não podemos duvidar dos significados dos vocábulos ora destacados do texto legal, nem  – suponho  discordar dos filólogos.

Para o senadores (interpretação autêntica) o crime de stalking é definido como perseguição reiterada, por qualquer meio (como a internet por exemplo) que ameace a integridade física ou psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima, segundo o texto da matéria publicada pelo Senado Notícias, na edição de 5 de abril de 2021. Aliás, o projeto de lei de autoria da senadora Leila Barros, do PSB do Distrito Federal, estava fundamentado "no apelo da sociedade e a uma necessária evolução do Direito Penal brasileiro frente à alteração das relações sociais promovidas pelo aumento de casos, que antes poderiam ser enquadrados como constrangimento ilegal" adquiriram características de assédio/perseguição nas redes sociais.

No que concerne à interpretação jurisprudencial, as questões que  têm chegado aos órgão do Poder Judiciário se resumem, na maioria dos casos, às ações contra perseguidor ligadas ao relacionamento amoroso, sempre após a ruptura dessa relação. 

Daí posso dizer que, em termos interpretativos, o artigo em foco não traz dúvida quanto ao que está tipificado como perseguição. Ele, por si só, atende às expectativas de que a legislação deve seguir de perto os usos e costumes da sociedade que ela protege.

Alguns leitores e advogados trabalhista indagam se esse instituto jurídico pode ser usado nas relações trabalhistas. Pode sim, tal como o assédio sexual, o assédio moral, a difamação, a discriminação e diversos outros ilícitos da competência do direito penal que, no cotidiano da vida são exportados para o mundo do trabalho humano. Porém, para que a justiça especializada seja acionada é imperioso que o autor do crime de perseguição seja o empregador, um empregado ou contratado pela empresa, sob qualquer regime jurídico, porquanto o empregador – por força do direito do trabalho nacional  é legalmente responsável pela disciplina interna dos empreendimentos, inclusive pelo bom uso dos meios de comunicação disponibilizados aos seus agentes e colaboradores, regulados pela Lei Geral de Proteção de Dados.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VAI DECIDIR SE CONTRATADO POR APLICATIVO ESTÁ PROTEGIDO PELA CLT (II)

Conclusão:  O que pensam os ministros do STF?                Já se tornou fato comum o Supremo Tribunal Federal ser provocado por empresas...