quinta-feira, 20 de março de 2014

Apesar de ser inconstitucional, o Estado do Rio continua fixando valor para o piso salarial dos empregados domésticos


Governador fluminense sancionou lei fixando novos valores para o piso salarial de diversas categorias profissionais 
O governador do estado do Rio de Janeiro sancionou no dia 11 deste mês a Lei nº 6.702, que institui pisos salariais para diversas categorias profissionais, entre elas a dos trabalhadores domésticos.
Já tive oportunidade de dizer em conversas nos meios jurídicos trabalhistas e em palestras que, após reexaminar esta questão à luz do direito constitucional nacional, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013, concluí que a fixação de piso salarial para empregados domésticos é inconstitucional.
Por que digo isto? Comecemos do início: a expressão piso salarial não é nova no Direito do Trabalho brasileiro; a novidade é a constitucionalização dessa garantia legal de remuneração mínima por categoria de trabalhadores. Trata-se da menor contraprestação que um empregado pode receber pelos serviços a que se obrigou por força do contrato de trabalho, se o valor do Salário Mínimo ou do salário normativo da categoria – se houver – for inferior ao do piso salarial estadual.
A Assembleia Nacional Constituinte de 1988 visando garantir salário superior ao mínimo nacional para os trabalhadores em geral, concedeu-lhes o direito a um piso salarial (art. 7º, inc. V, da Constituição Federal), estabelecendo, ao mesmo tempo, que os Estados e o Distrito Federal poderiam editar lei regulando essa matéria (parágrafo único do art. 22 da Magna Charta).
Em 14 de julho de 2000, foi sancionada a Lei Complementar nº 103, autorizando as unidades da Federação a editarem lei estabelecendo o piso salarial. Com base nessa permissão, alguns estados votaram e aprovaram norma legal, sendo exemplos, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. O estado de Minas Gerais está examinando essa questão há tempo e o Distrito Federal decidiu aprovar leis por categoria profissional.
Concluo pela inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar nº 103/2000 porque ao apoiar-se no § 2º do artigo 1º da lei complementar ora censurada, o Congresso violou o inc. V do art. 7º e seu parágrafo único, da Constituição Federal, que concedeu esse direito tão-somente aos trabalhadores urbanos e rurais.
Salta aos olhos do leitor atento que o legislador constitucional de 1988 excluiu os empregados domésticos do rol de beneficiados pelo piso porque, não sendo trabalhadores de empresas ou de profissionais liberais que lucram com o seu trabalho, seria injusto onerar as famílias empregadoras com essa vantagem salarial, obrigando-as a pagar a seus empregados mais do que o salário mínimo fixado por lei federal.
Outro não foi o comportamento do legislador complementar de 2013 ao votar e aprovar a Emenda Constitucional nº 72, que dispõe, em artigo singular, que o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal passava a vigorar com a seguinte redação: “São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social”.
Vê-se, às escâncaras, que o Congresso Nacional excluiu o inciso V do art. 7º (exatamente o que trata do piso salarial) da lista de direitos estendidos aos empregados domésticos.
Como norma legal fundamental do País, a Constituição não pode ser modificada por lei infraconstitucional, nem mesmo por uma lei complementar, sob pena de inconstitucionalidade (Pinto Ferreira)[1], a despeito da sua proximidade hierárquica com as normas de índole constitucional (Alexandre de Moraes)[2]. Por isso, o Congresso Nacional não poderia incluir o “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho” (fundamento insculpido no inc. V do art. 7º da CF para conceder o piso aos trabalhadores urbanos e rurais) no texto oriundo do Poder Executivo e autorizar os Estados e o Distrito Federal a instituírem tal patamar salarial para os empregados domésticos.
Ao agir desse modo, aprovando o projeto de lei complementar objeto da Mensagem nº 384/2000, de 23 de março de 2000, do Poder Executivo, os parlamentares criaram um vício irremediável na lei em apreço. “Em primeiro lugar a lei complementar não pode contradizer a Constituição” – afirma outro constitucionalista pátrio (Ferreira Filho)[3]. E, como ensina o professor luso Marcelo Caetano em apreciada obra editada no Brasil, “a Constituição é o assento fundamental da Ordem jurídica do Estado, a norma de todas as outras normas, o fundamento da autoridade de todos os poderes constituídos; logo, uma lei que não respeite a Constituição carece de força obrigatória, não é válida”.[4]
Conclusão: o § 2º do artigo 1º da Lei Complementar nº 103, de 14 de julho de 2000, é inconstitucional e a lei estadual ou regional que aprovar piso salarial para empregado doméstico herda esse gravíssimo defeito do processo legislativo; dispositivo legal fundado em regra inconstitucional não tem validade. Assim impõe a ordem jurídica nacional.
A bem da verdade, devo ressaltar que a Mensagem nº 384/2000 do Governo Federal que encaminhou ao Congresso Nacional a proposta dessa lei complementar, assinada pelos ministros do Trabalho e Emprego, do Planejamento, da Previdência Social e da Fazenda não continha esta regra violadora da Constituição Federal: a culpa é, portanto, exclusiva do Poder Legislativo. (www.sineed-rj.org.br)

[1] Luís Pinto FerreiraCurso de Direito Constitucional, 1º vol., 3ª ed., São Paulo, SP, Ed. Saraiva, 1974, p. 40. [2] Direito Constitucional, São Paulo, SP, Ed. Atlas, 2005, p. 597. [3] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, 30ª ed., São Paulo, SP, Ed. Saraiva, 2003, p. 211. [4] Direito Constitucional, vol. I, Rio de Janeiro, RJ, Forense, 2ª ed., 1987, p. 401.

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