Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 1º, IV; 5º, II, XIII e 170, IV, da Constituição Federal, a possibilidade do reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa criadora e administradora de plataforma digital intermediadora . (Fonte STF)
Histórico da ação trabalhista ora em julgamento no Supremo Tribunal Federal
O
assunto "relação de emprego de parceiros” com empresas que exploram plataformas tecnológicas despertou o interesse público após decisão recente do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), em ação proposta por Viviane
Pacheco Câmara. A autora, identificada como motorista, servindo — segundo alegou durante seis meses na Uber do Brasil Tecnologia Ltda. — alega que teve seus direitos
trabalhistas sonegados durante a vigência do contrato de trabalho e após a rescisão do contrato; sustenta ademais ter sido dispensada sem justa causa e sem receber as reparações legais.
A
ação ordinária trabalhista, ajuizada perante a 67ª Vara do Trabalho do Rio de
Janeiro, RJ (Proc. 0100853-94.2019.5.01.0067), foi julgada improcedente,
conforme sentença do juiz do trabalho Fábio C. L. Soares. Em
determinado trecho da decisão, o julgador fundamenta que cabia à autora provar que “as condições
impostas pela ré para o ingresso e a manutenção do motorista em seus cadastros
são suficientes para a caracterização dos requisitos do vínculo empregatício”, o que não ocorreu — sentenciou o juiz. Na verdade, na inquirição a
autora confessou que “não havia fiscalização quanto a horários, rotas, tempo
mínimo de trabalho” — ao contrário, diz a decisão da vara, ela admitiu que escolhia os dias e as
horas para trabalhar e que não recebia ordens do empregador — circunstâncias que no entendimento do julgador descaracterizam a relação de emprego.
Houve recurso
ordinário e a 7ª Turma do TRT da 1ª Região, em longo acórdão da lavra da
desembargadora do trabalho Carina R. Bicalho, conheceu do recurso autoral e deu-lhe
provimento para não homologar um acordo proposto pelas partes em audiência na vara do
trabalho e condenar a Ré a anotar a CTPS, pagar à autora as verbas
remuneratórias e indenizatórias pleiteadas, bem como danos morais, além de
honorários advocatícios e consectários legais.
Irresignada, a
Uber do Brasil agravou de instrumento e recorreu de revista ao Tribunal
Superior do Trabalho (TST), tendo a sua 8ª Turma, sob relatoria do ministro
Alexandre de Souza A. Belmonte, conhecido e negado provimento ao agravo e conheceu, parcialmente, da revista (apenas com relação à indenização por danos morais) e
deu-lhe provimento para excluir da condenação esta verba extrapatrimonial.
Ainda assim inconformada, a
Ré opôs recurso extraordinário que foi distribuído ao ministro Edson Fachin, o qual tramita com efeito de repercussão geral (“para efeito da repercussão geral, será considerada a
existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista econômico,
político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das partes”) cf. art. 322, par. único do STF.
Há diversos
requerimentos de amici curiae já deferidos pelo relator.
O que diz a CLT?
Sempre
entendi que o núcleo da questão da relação de emprego
está na redação dos artigos 2º e 442 da CLT; aquele ao conceituar o empregador, e
este ao identificar o contrato de trabalho. Nesse diapasão, a CLT hoje conceitua o empregador como a empresa
— pessoa física ou jurídica — “que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço” (art. 2º) e considera o contrato individual de trabalho como o ajuste firmado “tácito ou expresso, correspondente à
relação de emprego” (art. 442).
A
evolução desse fenômeno social foi brilhantemente resumida no livro Comentários
à Consolidação das Leis do Trabalho (7ª edição, vol. III, José Konfino
Editor, Rio de Janeiro, 1966, p. 646) pelo jurista gaúcho Mozart Victor
Russomano (1922-2010), professor e ministro do Tribunal Superior do Trabalho que, apoiado em Orlando Gomes, outro expoente do direito, assim
identificou a sequência sociológica dessa atividade humana: escravo, servo, regime
das corporações, regime das manufaturas, salariado e, finalmente, empregado.
Há na CLT todo um
título, com nove capítulos, tratando detalhadamente desse tipo de contrato social.
Isso ocorre exatamente porque a lei trabalhista não é um protocolo estatal visando
apenas encaixilhar os empregadores; esse ordenamento jurídico é também
uma coletânea de normas legais encarregadas de manter as empresas ativas, em harmonia
com a da mão de obra. (Continua).